Proposta nova de tese: Cinema e mulheres: Penso, logo Filmo!!!!
Vou
evitar trazer nesse texto qualquer sentimento de negatividade. Quero falar de
coisas boas. De como estou feliz. De
como sou feliz. Eu sempre fui. Vou dormir alegre e acordo alegre. Embora isso
possa não parecer certo, escolhi a felicidade. Escolhi ser alegre. Quero isso
para sempre. Brincar, com respeito. Com limites. Quero também que me respeitem.
Que tenham limites. Que saibam as palavras corretas para falar comigo. Podem me
chamar de Lucas. Professor Lucas. Parceiro. Broder. Man, monstro, monstrinho,
lek. Caslu. Gente boa. Limites. Se não gosta de alguma coisa, não faça. Se não
gosta de algo que eu faça, me avise, ou se afaste. Se eu estiver alegre e você
não, aceite, sempre estarei. Se eu não estiver, possa ter certeza, estarei
sozinho em casa estudando. Quando saiu de casa, é para ser feliz. Nem sempre é
possível em todas as situações, mas, diante de tantas experiências de vida,
locais que fui, pessoas que conheci, ainda escolho ser alegre e feliz. Em mim
cabe muita coisa boa que infelizmente eu não consigo e nem acho que tenha necessidade
de mostrar e provar. De qualquer forma não sou perfeito, mas sou feliz sim,
aceite isso. Tudo parecia que ia dar errado na visão de alguns? Não sei... mas
eu sempre soube que tudo em minha vida ia ser muito divertido e interessante.
Hoje como pesquisador, professor, artista, eu consigo diálogo comigo mesmo, com
quem está mais próximo, e ter a devida calma para enfrentar as durezas da vida.
Toda semana viajo 500km para lecionar. E quando estou em sala, consigo ser o
melhor de mim. Com todas as falhas que qualquer pessoa tem, eu sinto que estou
no caminho da paz... no caminho do amor... e no caminho de deus. Aos amores e
desamores que a vida me permitiu sentir, espero que todas e todos que cruzaram
minha vida tenham as melhores coisas em suas existências, tal como eu tenho
tido na minha... viver é essa arte de aceitar... nem tudo é perfeito, seja seu
melhor e faça o bem. Não vou salvar o mundo, mas salvei meu mundo... olho no
espelho e “curto” o que enxergo. E você? Consegue conversar com as pessoas se
filmando confiando plenamente que suas verdades são absolutas? Consegue conversar
olhando para o espelho? Consegue ouvir o tom da sua fala? Eu me amo... espero
que cada uma e cada um também consiga o mesmo... se amar é começo...
Abaixo a proposta nova de tese publicada como artigo no V Seminário Internacional "Enlaçando sexualidades"
(06 a 09 de 2017 – Salvador-BA)
MULHERES
CINEASTAS, FEMINISMO NEGRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS: EXPERIÊNCIAS
NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Autor: Lucas Leal
RESUMO
Este artigo apresenta
início de investigação acerca da atuação das mulheres cineastas negras. Teceremos caminhos para entender questões
socioeconômicas e políticas sobre a pouca existência das mulheres cineastas.
Quer-se desvelar existência do racismo epistêmico para entender a importância
do feminismo negro na esfera dos novos movimentos sociais. Haverá necessidade
de uma linha de argumentos sobre a dominação masculina e a tentativa de
construir uma matriz feminista para estudos de gênero, homens e masculinidades,
dada a identidade do proponente. Os dados para
pesquisa estão sendo recolhidos para tese de doutorado em Política Social na
Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) e surgirão tendo como campo ou espaço
social a Universidade e cursos de Extensão. Serão 3 cursos implantados a partir
do segundo ano de doutoramento. São eles: 1- Cinema e mulheres: penso, logo filmo!;
2- Cineastas negras – Ciclo de
cinema como tema gerador; 3- Feminismo
negro e movimentos sociais: Prática com cinema documentário.
Palavras-chave: Mulheres cineastas;
Feminismo negro; Extensão Universitária.
INTRODUÇÃO
O artigo apresenta início de pesquisa de
doutorado em Política Social, que tem como objetivo desvelar questões sobre a ausência de mulheres negras cineastas. Torna-se
fundamental trazer questões sobre o feminismo negro e a importância da
discussão para os movimentos sociais contemporâneos. Os dados serão recolhidos
a partir da experiência do cinema compartilhado e o “ver juntos” (RESENDE,
2016) tendo como campo ou espaço social
(BOURDIEU, 1996) a Universidade e cursos de Extensão. Os cursos serão oferecidos na própria UFF, são eles: (Fase
1 – 2017.2) Cinema e mulheres:
penso, logo filmo!; (Fase 2 – 2017.2) Cineastas negras – Ciclo de cinema como tema gerador;
(Fase 3 – 2018.1) Feminismo negro e
movimentos sociais: Prática com cinema documentário (2018.2).
Para construção da tese teceremos os seguintes caminhos
teóricos: a questão das mulheres cineastas (TEDESCO, 2012); debate sobre o
racismo epistêmico (SANTOS, 2016) para entender a importância do feminismo
negro (Idem, Ibidem) na esfera dos novos movimentos sociais. Ainda há uma linha
de argumentos sobre a dominação masculina (BOURDIEU, 2002), mesmo
questionando-o; buscando construir uma matriz feminista (MEDRADO E LYRA, 2008)
em estudos de gênero, sobre homens e masculinidades, dada a identidade do proponente
do projeto (homem, branco).
De
início a proposta consiste investigar sobre as mulheres cineastas,
especificando também a esfera das cineastas negras, como campo social, de grupo
social, em um espaço social, na relação dos direitos humanos. Para análise
crítica adotamos caminho teórico-metodológico da pesquisa-ação (JORDÃO, 2004), revelando ainda, estratégias da
animação cultural (MELO, 2002) e estudos culturais contemporâneos (HOLLANDA,
2004). Salienta-se a necessidade do que será
observado das três fases iniciais; para concluir a tese junto com um
longa metragem documentário.
Enquanto
sujeitos sociais ou grupo social, ou pensando como espaço social (de
investigação); teremos universitárias, universitários e cursistas (professores,
alunas e alunos do ensino médio acima dos 16 anos) ocupando a universidade para
discutir a existência da cultura do
machismo, temática que recentemente tomou a sociedade. A ideia do documentário apresenta
possibilidade de visibilidade de um povo e não seu desaparecimento, através da
experiência do cinema compartilhado. No artigo, traremos algumas discussões
iniciais e propositivas do projeto.
METODOLOGIA:
No primeiro
ano de doutoramento (2016.2 e 2017.1) construímos referências sobre políticas
sociais, questões de identidade e relações de gênero que se estabelecem no
âmbito das sociedades modernas e implicam diferentes formas de compreensão
social dos sujeitos sociais envolvidos.
Buscamos encontrar questão atual no âmbito das divisões sociais do
trabalho, que apresentam estrutura sexista, com características de racismo
epistêmico. Associando as mulheres, o mercado de bens simbólicos (BOURDIEU,
1986.), como a cultura e a arte, apontou à questão da ausência de mulheres
negras cineastas, importante questão para discutir no âmbito dos movimentos
sociais.
Os dados de
investigação têm como campo social a própria Universidade, e se divide em três
fases, com projetos de extensão. Na fase 1, Cinema e mulheres: penso, logo filmo! ;
daremos destaque a questão da Educação em direitos Humanos (EDH) para trazer o
debate sobre as mulheres cineastas. Fazendo uma discussão mais ampla sobre
pobreza e divisão social do trabalho a partir de desigualdades de gênero e
étnico-racial.
Na fase
seguinte, Cineastas negras – Ciclo de
cinema como tema gerador; queremos fomentar debates especificando a
importância do feminismo negro entorno da questão. A cada encontro teremos
filmes para discutir a questão racial e de gênero com base na lista do Geledés,
e o primeiro longa metragem
dirigido por uma cineasta negra no Brasil,
que só foi ao cinema quando se colocou na sessão “pornografia”. A cada encontro
uma “sessão de bate papo” com pesquisadoras e pesquisadores sobre a questão
(não necessariamente negras ou negros, como o proponente do projeto). Vamos
registrar os debates além de exibirmos fragmentos dos depoimentos da fase 1 –
já incidindo na experiência de “Ver juntos” que Resende (2016) refere em sua
tese.
. Na fase 3, Feminismo negro e movimentos sociais: Prática com cinema documentário;
trataremos as questões junto com o fazer cinema documentário. Vamos resgatar
questões das duas fases anteriores, revendo as imagens dos dois projetos
anteriores, enquanto grupo social, construindo novas imagens e pensando na
finalização do documentário junto com a tese crítica analítica. A parte
prática, de experimentações de visualização ao mesmo tempo em que se fazem
novos registros de imagens, é um exercício de prática com documentário para
“Ver juntos”, na perspectiva do “cinema compartilhado” proposto por Resende
(tese de 2016).
Seguindo
exercício feito pelo autor durante seu doutoramento, vamos propor novos
registros depois de exibirmos as imagens dos registros das fases 1 e 2
(registraremos o que for debatido durante a visualização dos registros; possibilidade
de analisar múltiplas imagens produzidas para se criar novas percepções ou até
enfatizar o que se foi dito); mesmo que não sejam as mesmas participantes e os
participantes, a construção do documentário será um resgate do processo. Pensaremos durante o fazer documentário, com
registros anteriores e novos. A tese crítica analítica e os conceitos que
envolvem a temática tomará base as experiências na extensão universitária,
ainda não realizadas. Por isso, no artigo, destacamos as proposições de forma
teórica e propositiva.
As etapas
seguintes são conclusivas e estão organizadas assim: (Fase 4 – 2019.1) Análise
dos dados e das imagens; inicio das edições das imagens; (Fase 5 – 2019.1)
Qualificação com teaser do
documentário sobre os projetos e as
questões teórico-metodológicas em forma de capítulo de tese; (Fase 6 – 2020.2)
Aperfeiçoamento do texto e finalização da edição das imagens; (Fase 7 – 2020.1) Defesa de tese, com texto
crítico-analítico e com filme longa metragem documentário com base nos cursos
de extensão das fases 1,2 e 3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa em questão buscará entender
questões sobre as mulheres que incidem diretamente nas relações sociais, na
divisão social do trabalho, que as colocam sempre em situação de vulnerabilidade
em relação às estruturas de poder. Em todos os espaços sociais, as relações de
poder, desde o capital cultural, simbólico, ao econômico, estabelecem-se a
partir de relações de dominação masculina. Essa constatação, no olhar da
pesquisa, não quer ser uma conformação, e sim ponto a ser transformado, não
devemos justificar aceitação da cultura
do machismo e sim combater. Como
homem, branco, imagino ainda ser fundamental pôr em questão a existência do racismo epistêmico nas relações
institucionais, embora no Brasil alguns discursos busquem amenizar a
existência, ou não colocamos em debate a questão.
O feminismo negro entra no cenário universitário mais
frequente, sobretudo com as cotas estudantis dos anos 2000. O que não quer
negar toda luta feminista dos anos 1960, 70, 80, década de 1990 e do movimento
negro (de quase 400 anos de resistência antes da abolição 1888), pelo
contrário, queremos revelar a historicidade. Santos (2016 apud CRENSHAW,
2002) diz que a literatura sugere o cruzamento dos dados entre opressão de
gênero e raça (interseccionalidade) –
que apontam para violência estrutural na sociedade em relação as mulheres
negras.
Na posição
de pesquisador homem, branco, querendo entender as mulheres negras, busco apoio
em Medrado e Lyra (2008), embora falem especificamente da questão da saúde,
apontam para questões importantes do ponto de vista social, a dimensão
relacional entre homens e mulheres:
Essa complexidade é exigida ao adotarmos a dimensão
relacional de gênero, evitando-se, assim, uma leitura marcada pela dicotomia e
permitindo inclusive a emergência de outros objetos de pesquisa, a partir da
abordagem de gênero, dentro de uma perspectiva feminista, que tem o poder como
dimensão central de análise. (p.820).
Nossa
perspectiva de análise é pensar na “ruptura da tradição do modelo binário de
gênero nas esferas da política, das instituições e das organizações sociais”
(idem, ibidem). A proposta apoia o diálogo de produções que adotam “gênero”
como categoria analítica. Em pirâmide simplificada, da estrutura social de
privilégios, teríamos; Homem Branco, Homem Negro, Mulheres Brancas, Mulheres
Negras (há controvérsias e nuances; como questões LGBT; Queer; Agenero; entre outras identidades de gênero e sexualidades). É
comum a identificação da mulher negra dentro da esfera de extrema
vulnerabilidade e até invisibilidade perante decisões públicas e políticas.
Nossa
questão está inserida como campo social, de grupo social, em espaço social
determinado e a partir de política específica, que aponta vitória da luta
histórica dos movimentos sociais. Neste sentido destacamos a importância do
debate das cotas, das mulheres negras na Universidade, na esfera dos direitos
humanos. Enfatiza-se a resistência negra de quase 400 anos em relação a
situação de trabalho escravo no Brasil
antes da abolição – comumente tratado como movimento de abolição de 1888
– justificando o racismo epistêmico. Santos (2016), diz que se rejeitarmos os
movimentos anteriores, onde as mulheres negras se suicidavam ou abortavam, como
forma de resistência, vamos considerar o feminismo a partir das mulheres
brancas da década de 1960 nos EUA, como a historiografia, inclusive no Brasil,
por certo tempo tratou.
No
processo de pesquisa percebemos claras contradições e tensões. As tensões político-sociais e de
construção de identidade se estabelecem na medida em que eu, propositor do
projeto, sou homem, branco, querendo entender questões das mulheres, negras.
Estabelecendo limites, ponho-me na posição de compreender o ponto de vista do outro,
das outras nesse caso, mas também afirmar o ponto de justificação do projeto,
minha atividade profissional como docente universitário. Há uma relação de
interesse particular profissional, e partirei do pressuposto que o mais
importante será estabelecer uma relação dialógica com todas e todos
participantes dos projetos.
Tedesco (2012) afirma que a
presença das mulheres no cinema se deu em todo período do primeiro século de
existência do cinema (sobretudo na América Latina); mas de forma irregular, fragmentada
e sem continuidade. As poucas que se aventuraram, sofreram problemas de ordem
externa, desconfiança das habilidades técnicas; vendo seus projetos engavetados
e esquecidos. Chamou atenção problemas de registro das memórias e narrativas,
desencontradas e conflituosas sobre a cronologia das produções (idem, ibidem,
p. 101). Destacando a questão com outro recorte da pesquisa, as mulheres
negras, são poucas realizadoras (reconhecidas) no Brasil. Para atualizar dados,
temos o Canal Afroflix,
que divulga produção
cinematográfica sobre a questão das mulheres negras, do feminismo negro, com
referências dos movimentos sociais contemporâneos.
A questão
das mulheres negras vem ficando cada vez mais evidente nas universidades
públicas depois das cotas. A lei 3.708/01 de 2001 instituiu sistema de cotas
para estudantes denominados negros ou pardos, destinando 40% das vagas das
universidades estaduais do Rio de Janeiro. Lei aplicada desde 2002 na UERJ e
UENF. A UFF usa Lei nº. 12.711/2012, direito à Política de Ação Afirmativa.
Recentes mudanças em relação a autodeclaração, convoca para aferição da
autodeclaração de Cor/Etnia (espécie de vistoria por uma comissão de cada
Instituição).
Diante do tema vamos entender as relações que se
estabeleceram pela presença da mulher
negra nas Universidades para responder como o grupo social constrói seus
argumentos, tendo o cinema como possibilidade para discussão, na esfera dos
movimentos sociais. Embora apresentemos forte movimento negro, e das mulheres
negras, com diversas ONGS pelo país, a questão do racismo ainda é estrutural,
como aponta o estudo de Santos (2009).
Para
Crenshaw (2002 Apud
SANTOS, 2016) a ciência moderna objetificou e inferiorizou os saberes de grupos
(mulheres, negros, indígenas, homossexuais, não ocidentais etc.) definidos como
os outros, incluindo a área dos estudos feministas no Brasil. O
movimento feminista negro é, portanto, processo racional de luta contra
opressão, mudando a experiência de vivência das mulheres. Ao trazer o conceito
de interseccionalidade, evidenciamos
questões étnico-raciais, desvelando questões do racismo epistêmico na estrutura
social. Segundo ela:
Assim como o sexismo
epistêmico, o racismo epistêmico se constituiu historicamente enquanto um
mecanismo de poder que objetiva o extermínio material e simbólico dos outros
(DÍAZ, 2010). Para Ramón Grosfoguel (2011), os racismos político e
econômico são expressões mais perceptíveis do que o racismo epistêmico uma vez
que esse último se manifesta de forma mais velada. Apesar disto, o racismo
epistêmico foi a forma fundante e a versão mais antiga do processo de
subjugação, silenciamento e extermínio dos saberes e tradições dos não
europeus. (p.11).
O artigo
revisita a história do feminismo e nos interessa a respeito de reconhecimento
da produção feminista em determinado contexto:
A despeito do
reconhecimento do fato que os estudos feministas criticam os pressupostos da
neutralidade e objetividade da ciência moderna que historicamente excluíram os outros,
também é necessário recordar que o projeto político feminista foi ancorado na
tradição da modernidade (PISCITELLI, 2002). Isto coloca o desafio de refletir
em que medida este projeto, que também nasceu enquanto produção teórica em
contextos territoriais hegemônicos (Europa e Estados Unidos), conseguiu romper
com a perspectiva política e ideológica de construção unidimensional do
conhecimento. Desafia-nos ainda a refletir sobre como a área dos estudos
feministas no Brasil dialogou com a produção e com o debate sobre as relações
étnico-raciais em âmbito nacional e internacional. (pp.11-12).
Há
afirmação identitária e a autora (p.12) diz que a partir de orientações
feministas e antirracistas, sua posição é de partidária do feminismo negro e do
feminismo pós-colonial, compreendendo essas vertentes do feminismo como teorias
e éticas de emancipação humana. (apud hooks, 2004). Para conceituar gênero ela faz uso “das considerações da
historiadora Joan Scott (1995), que compreende tal categoria como um elemento
constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças sexuais e que se
institui como uma forma primária das relações significantes de poder.” (p.12).
Em relação ao termo raça:
(...) partilho da
definição conceitual de Michel Wieviorka (2007), que não a compreende como
variável biológica, mas sim, como um construto histórico-social que legitimou
práticas de subordinação e hierarquização de diferentes grupos sociais. Isso
implica no meu reconhecimento do fato de que embora a raça não exista em termos
biológicos, ela está presente no imaginário e, por meio de classificações assimétricas
sobre o fenótipo de comunidades e indivíduos, organiza as relações de poder.
(p.12).
Essas duas categorias são importante quando juntas na
análise. Em bem da verdade, a literatura desde Crenshaw (2002) aponta para o
cruzamento dos dados entre opressão de gênero e raça – destacando a violência
estrutural na sociedade. Esse
debate interessa para definir conceitos de interseccionalidade
para analisar a questão da discriminação racial e da discriminação de gênero –
conceito que compreende a interação entre diferentes sistemas de desigualdades.
No que
tange especificamente o feminismo, a crítica vem em relação ao modelo
ocidental:
No cenário de crise de
paradigmas, os estudos feministas apontaram que o pensamento científico
ocidental estava fundamentado por oposições binárias entre cultura/natureza;
mente/corpo; atividade/passividade; racionalidade/ irracionalidade;
luminosidade/escuridão; razão/paixão. Cada um desses opostos é uma hierarquia
que representa o binarismo homem/mulher, onde o lado feminino é visto como
fraco, secundário, negativo e destituído de poder. Para a filósofa Simone de
Beauvoir (2009), essas são oposições que associaram historicamente as mulheres
à natureza e não à cultura, moldaram a representação de que as mulheres são apenas
aquilo o que os homens não são e conformaram a figura da mulher como símbolo de
imanência e a imagem do homem como sinônimo de transcendência. Neste sentido,
de acordo com Beauvoir, nas sociedades ocidentais o homem é o Ser e a
mulher é o Outro, o segundo sexo. (p.14).
Destacamos importância de novos estudos feministas, uma
vez que, são uma problemática a ser estudadas por meio da perspectiva das
experiências das mulheres (HARDING 1996; 1998, apud SANTOS 2016, p.14). Nos estudos encontramos implicações
expressivas de relações de poder na estrutura social. A autora destaca que os estudos dão origem a
temática na academia:
Na História, as
problematizações feministas fomentaram o surgimento do campo da História das
Mulheres. Este campo surgiu na década de 1970 a partir da interação de
historiadoras com o movimento feminista, impulsionadas pelo objetivo de superar
a perspectiva androcêntrica presente nas escolhas de métodos, nas periodizações
e nas fontes de análises que privilegiava o resgate de feitos de grandes
homens. (SCOTT, 1992). (p.15).
No processo surge o termo Mulheres na discussão de Gênero.
Sobre o tema:
Em muito contribuiu para
esse processo o uso da categoria mulher, que estava ligada às discussões
sobre o conceito de patriarcado, compreendido enquanto sinônimo da dominação
masculina. A categoria mulher pressupunha a existência de um tipo de
opressão comum que atingia, indiscriminadamente, a todas as pessoas do sexo
feminino (Idem, p.15 Apud PISCITELLI, 2002).
(p.15).
Surgem alguns questionamentos:
A proposta de crítica e
desconstrução da figura do homem universal evidenciava que a categoria mulher,
construída no singular por estudiosas feministas, constituía-se como um
conceito contraditório e equivocado (HARDING, 1998). Assim, ao criticar o
privilégio epistêmico das mulheres brancas, enfatizando a diversidade presente
na experiência feminina, ficou explícita a necessidade de reescrever o projeto
político e teórico de emancipação das mulheres como sinônimo da luta
empreendida pelos feminismos, sempre no plural. (p.16).
Esse momento dos feminismos na academia é importante para
apresentar demanda por visibilidade.
Gurgel (2014) aponta o reconhecimento da diversidade das mulheres no
interior dos feminismos – meados de 1980, as lutas feministas já se aproximam
de uma demanda mais social – em relação a pobreza – que marca a luta na América
latina. Destaco esse ponto porque é a partir dessa diversidade do movimento que
emergem debates sobre o movimento feminista negro. No dossiê (2017) sobre direitos humanos e mulheres negras no
Brasil (Fórum Permanente pela Igualdade Racial – FOPIR)
encontramos dados atuais que ilustram algumas questões:
Dados demográficos: Em 2013 o Brasil tinha uma população de
59.4 milhões de mulheres negras, correspondendo a 51,8% da população feminina e
27.7% da população brasileira total (IPEA, 2013). (...) Situação social: As
mulheres negras representam o principal grupo em situação de pobreza. Somente
26.3% das mulheres negras viviam entre os não pobres, enquanto que 52.5% das
mulheres brancas e 52.8% dos homens brancos estavam na mesma condição (IPEA,
2011). (p.11). (...) A taxa de homicídios de mulheres negras em todo o país é
2.25 vezes mais alta do que a taxa de homicídios de mulheres brancas. (p.15).
Os dados
ajudam entender a complexa relação que precisamos estabelecer para dar destaque
e importância ao feminismo na experiência das mulheres (negras). Estudos
apontam avanços do feminismo (Diniz e Fortran, 2004; Gurgel, 2014, Correa,
2016) e localizam a produção dos estudos
dentro da questão de gênero; com dados históricos da produção acadêmica e do
movimento feminista. Em relação ao movimento negro, há dois marcos: a retomada
dos estudos sobre a questão racial no início da década de 1980, com trabalhos sobre desigualdade social, mercado
de trabalho e educação, e, recentemente, com as cotas raciais e as políticas de
ações afirmativas.
Em A Dominação
Masculina, Pierre Bourdieu (2002) explica a (re)produção dos gêneros e a
persistência das relações de dominação de gênero a partir do conceito de habitus, sistema (socialmente
constituído) de disposições cognitivas e somáticas, modo de ser, estado
habitual, especialmente do corpo, sujeito à inércia (resistência física à
modificação de seu estado de movimento). A subjetividade de gênero,
corporificada, ou seja, estruturada internamente e expressa em posturas
masculinas ou femininas (experiência individual), é continuamente realimentada
e reforçada pela objetividade da realidade social, ou seja, por uma organização
social baseada em divisões de gênero (experiência histórica). Gurgel (2014) diz:
Ao identificar o sistema
patriarcal como o seu inimigo histórico (DELPHY, 2000), o feminismo definiu
suas estratégias, tendo como base a superação dessa práxis de dominação. Assim
sendo, como afirma Falquet (2011), a unidade relativa do feminismo em torno
desse projeto emancipatório e a experiência de educação popular, impulsionadas
pelas organizações de mulheres, são, sem dúvida, elementos que demarcam a
memória social do feminismo, funcionando como catalizadores dos debates atuais
em torno da representatividade do movimento, situado no contexto do
neoliberalismo. (p.69).
Santos
(2016) traz experiência do feminismo negro, questionando a categoria mulher, no singular, traduzindo
equivocada sensação de homogeneidade, além de discutir “sobre a pertinência do
conceito de patriarcado, que passou a ser entendido como esvaziado de conteúdo,
ao ser tratado como um sistema opressivo, a-histórico e essencialista
(PISCITELLI, 2002).” (p.16). Nesse momento ela destaca a importância da teoria
do Black Feminism, que “desenvolveu-se de modo expressivo nos Estados
Unidos por meio das proposições de Angela Davis, Audre Lorde, bell hooks e, mais
recentemente, Patricia Hill Collins, entre outras.” (idem, ibidem, p.16). Destaca ainda a obra de Lélia
Gonzalez (antropóloga e feminista negra brasileira). Para a autora, há uma
naturalização da escravidão e das condições das mulheres negras:
Dentro da oposição
binária corpo/mente, a imagem da mulher negra foi historicamente associada ao corpo,
que marca o lugar de significação da diferença, e representada como a
alteridade radical contraposta à figura do homem branco, vinculado à mente e à
racionalidade. (p.16).
Nossas argumentações e
levantamentos teóricos servem para ilustrar argumentos das problemáticas do
movimento negro, e mais ainda na experiência das mulheres negras – dentro da
esfera do próprio feminismo. A potencialidade do feminismo negro é subversiva,
afronta a hegemonia da dominação masculina e a hegemonia da cultura branca exclusivista;
e questiona a invisibilidade das mulheres negras. (p.17). É da compreensão dos
diferentes sistemas de opressões que o movimento negro feminista vai definir o
conceito de interseccionalidade como
referência fundamental. Sobre o tema, Santos diz que (idem, p.18):
(...) sistematizada
conceitualmente pela professora de direito Kimberlé Crenshaw na década de 1990,
encontra-se na base do pensamento do feminismo negro. Esta corrente teórica não
teve origem nos anos 1980, como aponta parte da bibliografia. Na verdade, ela
surgiu na metade do século XIX, quando Sojourner Truth (1797-1883), que é
definida como a pioneira da teoria do feminismo negro norte-americano, proferiu
o discurso Ain’t I AWoman? na Conferência dos Direitos da Mulher de Ohio
em 1852.
É importante apontar que “desta forma, discutir de modo
relacional os significados da negritude e da branquidade, assim como as
especificidades de outros grupos étnico-raciais, constitui um dos desafios do
campo dos estudos feministas no cenário atual.” (Vron Ware 2004, p. 17 apud
Santos 2016, p.18). No Brasil,
Desta forma, com o
intuito de superar a invisibilidade das mulheres naqueles registros, foi
desenvolvido, a partir da década de 1970, o campo historiográfico intitulado
como História das Mulheres, que se tornou uma importante área dos estudos
feministas internacionalmente. Para Joan Kelly Gadol (1992, p. 123) a “historia
de la mujer tiene un doble objetivo: restituir a la mujer en la historia y
devolver nuestra historia a las mujeres”, pois o desconhecimento de sua
própria história, enquanto grupo social, fundamentou a opressão vivida pelas
mulheres. Por este motivo, Gadol defende que a apropriação de seu passado e
legado de lutas poderia desempenhar um papel transformador na realidade deste
grupo. (p.19).
Santos quer apontar para invisibilidade das mulheres
negras dentro da historiografia no campo da História das Mulheres (Apud SCOTT,
1992). Para ela, “a violência simbólica instituída contra a mulher negra nesses
estudos “está na não-representação, na negação, que é uma recusa de
existência social e de humanidade.” (WIEVIORKA, 2007, p. 130).” (p.21). É importante destacar contrapontos,
como o trabalho de Maria Lúcia de Barros Mott (1991); sobre a trajetória de
mulheres negras, escravizadas e libertas que empreenderam distintas práticas de
resistência no período colonial. Um ponto da nossa formação nacional fica evidente quando ela revela a luta contra questão da violência sexual sofrida pelas
mulheres negras escravizadas. (pp. 21-22). .
A luta das mulheres negras entrou na “Zona de silêncio”
na produção acadêmica no Brasil, diferente da Norte Americana, que já tratava
da questão de “cor” meados de 1981. Nessa historicidade com idas e vindas de
conceitos e projetos de feminismos, para ela é importante o retorno da
categoria mulher substituído pelo
termo gênero, que gerou
enfraquecimento da prática política feminista ao diluir o sujeito mulher. É
fundamental a disseminação do conceito de interseccionalidade
e da categoria branquidade além de evidenciar a diversidade que permeia
a experiência das mulheres, em intersecção com gênero e outros marcadores
sociais. (p.28). São estratégias fundamentais para romper os silêncios e
desafiar noções de discriminação e desigualdade, por isso é importante “escrever
a respeito delas e assim tornar histórico o que até então havia sido escondido
da história.” (SCOTT, 1999, apud Santos 2016 p. 23).
CONCLUSÕES (parciais)
O artigo
marca o primeiro ano de doutoramento em Política Social, pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). A pesquisa vai
agora para fase dos projetos de extensão, por isso que as conclusões do artigo
são referentes as proposições. Em sua tese, Resende (2016, p.13) se questiona:
Como produzir um espaço capaz de abrigar as diferenças e
lugares múltiplos que, juntos, possam produzir sentido? Isso significaria
portanto pensar os meios, os processos,
os modos de fazer, pensar antes da ideia de “obra” – como coabitar o mundo,
pois o mundo não é algo que demanda ser fundado, mas que é feito para ser
habitado, como foi dito numa discussão em torno do Ver juntos (2003: p. 54), de Jean-Toussaint Desanti (...) . (p.13).
Após
acontecimentos de violência contra as mulheres na cidade de Santo Antônio de
Pádua (cerca de 250 km de Niterói-RJ, onde tem um campus da UFF) achamos
importante propor os cursos, discutindo questões específicas da cultura do machismo para buscar
estratégias de combatermos. Os
diálogos são via direitos humanos, o cinema como tema gerador e possibilidade
criativa através do fazer documentário; desvelando uma questão
político-social. Com o artigo tentamos
dar visibilidade aos estudos feministas, com ênfase na questão étnico-racial,
desvelando a importância das mulheres negras para emancipação da população
negra. A ideia central do artigo foi
contemplar perspectivas do pensamento social, especificando a questão feminista
negra.
Reafirmamos a importância do surgimento do movimento
feminista para compreender a dominação
masculina nas estruturas de poder. Os
argumentos ajudam pensar sobre a
estrutura pautada em uma histórica desigualdade, com traços racistas –
dentro de uma hierarquia social escravista. A partir disso, podemos levantar
hipóteses macrossociológicas, compreendendo a pluralidade do campo e elaborando
formas de combatermos a opressão social imposta pela estrutura desigual dentro
das esferas de poder (político, econômico, social, cultural) que gera em nossa
argumentação, ausência de mulheres negras cineastas.
As escolhas teóricas apontam conceituações – como se
verifica no próprio título do artigo. Utilizamos “Feminismo negro” e optou-se
por não utilizar o termo “Gênero”, reivindicação em pauta no estudo de Santos
(2016) – dando ênfase na questão das Mulheres,
que foi pouco a pouco substituída por Gênero
– inviabilizando questões específicas das mulheres. Este artigo, portanto, tem estreita ligação
com questões específicas das mulheres – embora o autor reintere sua não
experiência feminina, e, portanto, distinta da experiência das mulheres na
cultura, por exemplo.
Há posto o limite da experiência, e há posto o interesse
acadêmico de compreender o campo dentro dessa mesma limitação subjetiva da
vivência humana. Neste sentido, o estudo vai tomar como base questões sobre
identidades sociais, onde precisamos apontar a minha distinta experiência do
grupo social que trato na tese (construindo uma matriz feminista para estudos
sobre gênero e masculinidades). A justificativa para o desafio são as
atividades como docente Universitário, interessado em romper com estruturas e
desvelar questões políticas sociais.
REFERÊNCIAS
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arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
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no Brasil contemporâneo: apontamentos críticos e desafios organizativos.
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Artes.
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Giselle Cristina dos Anjos. Os estudos feministas e o racismo epistêmico. Revista
GÊNERO, Niterói, v.16,
n.2 (p. 7 – 32) 1.sem. 2016.
SANTOS, Sônia Beatriz dos. As ONGs de mulheres negras no Brasil. Rev. Soc. e Cult., Goiânia, v. 12, n. 2, p.
275-288, jul./dez. 2009.
Aprovado
em reunião do PCH em 10/05/2017 – Infes - Uff- Santo Antônio de Pádua. Início do curso 07/11/2017.
“A Pró-Reitoria de Graduação da Universidade
Federal Fluminense (UFF), em Niterói, na região Metropolitana do Rio, declarou
113 candidatos não aptos para ingressar nos cursos de graduação por meio das
cotas. Os candidatos faziam parte dos 198 convocados pela Comissão de Aferição
da Autodeclaração de Cor/Etnia para entrevista após terem documentos e foto
verificados. Os candidatos foram selecionados entre a 1ª e 3ª chamadas.
Conforme a UFF, na fase de pré-matrícula presencial eram 698 candidatos, sendo
que 198 foram convocados para a entrevista. Dos convocados, 68 foram aprovados
e 17 desistiram do processo.“ http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-03/uff-desclassifica-113-candidatos-que-concorreram-vaga-por-meio-de-cota