domingo, 11 de agosto de 2019

Pra que ter um pai?


(escrito em 11-08-2019)

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Eu e mainha, Mel e Kika (2016)


Quando era mais novo, em muitos momentos, eu tentei culpar minha mãe por não ter me dado um pai. Fui crescendo e vendo que não existia culpa dela. A escolha, de não ser pai, foi exclusivamente dele. E a escolha da minha mãe, foi nunca abandonar suas crias. Eu e meu irmão Pablo, passamos por momentos complicados. Meados dos anos 1990, Pernambuco estava fudido. A política neoliberal invadiu o país e os programas de privatizações atingiu diretamente nossa sobrevivência. Em 1992, eu com apenas 5 anos, comecei a entender o que era “não ter”. E foi “não tendo” que aprendi a saber “o que era ter”, e melhor, aprendi “o que era ser”. Eu queria ser, e tento, igual a minha mãe. Em um dos meus perfis no facebook escrevi:

Para quem não tem pai, hoje é o dia de agradecer quem te conduziu na vida... eu tive referências femininas maravilhosas... uma mãe feminista sindicalista PTista, uma Avó que criou 7 filhas praticamente sozinha depois que assassinaram meu Avó... então tive 6 tias que faziam de tudo por todos... uma tia pagava a escola do meu irmão, outra ajudava com roupas, quando minha mãe ficou 7 anos desempregada, eu me alimentava na casa da minha avó, usava roupas dos meus primos... e a vida ia... zero referências masculinas... levantei cedo pra vida, pra ser Um homem sem pai, e ainda sonho ser um pai que nunca tive... um dia, quem sabe? Então, hoje, no dia de quem cuida de mim, eu preciso agradecer todas as mulheres fuderosas que me conduziram até aqui... com certeza tudo que passei na infância, adolescência e juventude reflete na pessoa que venho buscando ser... com falhas ou não, aprendi o valor das mulheres no dia a dia... ninguém precisou me mostrar que mãe é tudo na vida porque eu tive e tenho a melhor mãe do mundo... com suas falhas e defeitos, ela nunca me abandonou, nem abandonaria... aos meus amigos, que hoje são pais... valorizem isso... valorizem seus filhos, para serem valorizados... mamis, obrigado por tudo hoje e sempre! 

            E hoje, além de pensar no que tenho, e no que já tive, só posso de fato agradecer. Educação, lazer, cultura, artes, política... tudo isso fez e faz parte da minha vida, graças a minha mãe. Lutou e luta todos os dias contra as dificuldades da vida, da sua subjetividade, e ao mesmo tempo, ela não esquece o coletivo.  Frequenta grupos de política de esquerda, vai em manifestações, e faz a política de base... entra nas periferias, sobe os morros, fala com o povo... minha mãe talvez nem saiba, mas ela é o motivo da minha existência. Os conflitos entre filho sem pai, hoje nem faz tanto sentido em minha vida, pelo contrário, porque eu comecei a perceber que preciso valorizar o que há, e não o que não há. Aprendi isso nos momentos em que era preciso comer apenas determinada quantidade por refeição, para ter no dia seguinte. Aprendi a nunca desperdiçar nada. Aprendi também a me valorizar por ser quem eu sou e o que posso fazer. Nem sempre é possível ser o Lucas que eu gostaria, deveria ou poderia ser... mas sempre posso retornar para algum lugar e recomeçar. Esse lugar é a casa da minha mãe. Pode dar tudo errado na minha vida, mas, terei pra onde voltar. Ela me deu um lar, ensinou a acreditar, sonhar... e ensinou a agir, parar, respirar, recomeçar, refazer, recriar... expandir, melhorar, analisar... Eu hoje precisaria então agradecer principalmente o fato de não ter tido um pai, ou ter tido um pai que não quis ser. Ele mostrou a importância que minha mãe tem na vida... então eu preciso além de tudo, agradecer a ausência de alguém que escolheu isso. As nossas escolhas devem ser pensadas, e espero eu, que essa tenha sido uma escolha bem feita, porque só sou hoje quem sou, pelo fato de ter vivido tudo que vivi do jeito que vivi.  Por isso, sem lástimas... sem dramatizar a ausência masculina... os poucos e raros momentos de masculinidades e referências “do que era ser homem”, conduzida pela pessoa que deveria ser meu pai, são exemplos máximos do que “eu não devo ser”. Aprendi com  meu pai, principalmente, como não ser pai. E com minha mãe, aprendi o que é ser cidadão, que implica ser pai, quando for. Assim, se meu pai fosse presente, como deveria ser, eu não saberia o que “não era ser um pai”. Talvez eu fosse um pai que não deveria ser... então agradeço ao “meu não pai”, o fato dele não ter sido. Quero contrariar as teorias sociais sobre a reprodução cultural. Quero ser um pai que nunca tive, porque aprendi com o pai que não tive, como não se deve ser um pai. Problemas, dificuldades, trabalhos... outros filhos, outros objetivos... tudo isso serve para os “não pais”, em suas argumentações sobre “não ser”. Escolho, no entanto, ser o que minha mãe foi, uma guerreira, e, se um dia deus me permitir, serei então o "pai que nunca tive". Até lá... posso idealizar, teoricizar, e preparar o “campo”... preparar-me para ser.  Quero estar pronto para agir e ser, quando for. E, para além da ”não referência” masculina em minha vida, busco  inspirações em quem me conduziu... a figura da mulher que faz de tudo pelos filhos existe, e na minha vida, se chama Maria das Graças, ou Graças Leal... ou ainda, Gágá... para mim, vai ser eternamente, minha mainha.

Beijocas

Lucas Leal







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